25/07/2009

Novas perspectivas para o Ensino Português na Califórnia I

Estou a escrever-vos da praia do Furadouro, freguesia e concelho de Ovar, distrito de Aveiro, Portugal. Desponta o dia e o mar rola em vagas que os surfistas matutinos estudam com atenção. Um casal sozinho apoderou-se de todo o areal enquanto um pescador à linha passa com a longa cana ao ombro. Da minha janela não consigo ver se os barcos de proa esguia já voltaram da faina da pesca. Mas as gaivotas darão sinal. Estou de férias, em minha casa. E é melhor fazer agora provisão de todo o Atlântico que puder, pois vai-me fazer falta quando regressar à Califórnia.

De férias é como quem diz. Continuo comunicável, em actividade, missão contínua. Aproveito o tempo para fazer um balanço de quase dois anos de existência da Coordenação do Ensino Português na Califórnia (CEP.CA). E preparar o próximo ano lectivo, mesmo à porta, regressando ao trabalho com o calor de Agosto, quando a maioria dos professores em Portugal inicia o veraneio. Online leio artigos nos jornais das comunidades sobre o Ensino Português nos Estados Unidos. É interessante estar tão perto aqui tão longe. Frequentemente se entrevistam as mesmas pessoas, de ambas as costas; não raro expressando os mesmos pontos de vista ... ou quase. Para além da tão repetida frase sobre a "falta de uma política de ensino por parte do Governo Português”, parece-me que começo a ouvir uns sopros de alteração do discurso. Embora dito por outras palavras fala-se da necessidade de se qualificar o ensino comunitário privado através da formação de professores e talvez mesmo da alteração dos horários das classes, a par da crescente integração do Ensino Português nas escolas públicas, a todos os níveis. Agrada-me esta re-orientação de perspectivas, pois estes são na verdade dois dos grandes objectivos do plano estratégico de acção da CEP.CA.

Quando se afirma repetidamente que não há uma política de governo para o Ensino Português no Estrangeiro está-se a esquecer um facto importante que só por vezes aparece mencionado de passagem em alguns meios de comunicação. A existência actual de duas coordenações regionais para o Ensino Português nos EUA é inquestionavelmente uma escolha de política educativa (no sentido de policy) e representa a vontade de melhor adequar e articular o investimento que essas estruturas implicam por parte de Portugal aos contextos em que estão implantadas.

Não caindo na imprecisão de afirmar a inexistência de algo que continua a produzir efeitos, podemos, evidentemente, continuar a achar essa política insuficientemente articulada ou eficaz. Idealmente pode dizer-se que uma política é enunciada e definida nos seus diplomas legais, após o que é posta em prática, sendo os resultados dessa aplicação avaliados ao longo do seu tempo de vigência. Esses resultados podem vir a suscitar a necessidade de introdução de alterações em vários dos seus aspectos, ou mesmo a sua total revisão ou suspensão.

Uma política é, pois, um processo e não um objecto uno e acabado, e só se traduz na prática através de pessoas que actuam e interagem em contextos específicos. Por isso, tanto é necessário ter uma política tão bem articulada quanto possível, como actores que imaginativamente a transponham para o terreno e, em retorno, possam melhorar a sua eficácia através da avaliação dos resultados obtidos.

Como acima referi, torna-se assim evidente que a própria criação das Coordenações de Ensino Português se deve ao dispositivo de uma política, e que uma das responsabilidades destas estruturas deve ser dar corpo e levar à prática os seus princípios gerais. Em consequência, a minha primeira incumbência como Coordenadora do Ensino Português na Califórnia, ainda antes de partir de Portugal, foi a de elaborar um Plano de Actividades (incluindo orçamento), o qual considero ser um plano estratégico de acção, avaliado e reeditado anualmente, reflectindo o meu crescente conhecimento do terreno, das pessoas e dos seus desafios, e propondo uma visão orientadora para o Ensino Português através de projectos de desenvolvimento. Qual é pois a intervenção mais evidente da política do Governo Português, aquela que directamente interessa a escolas, professores, pais e alunos, nomeadamente na Califórnia? É precisamente a que é articulada no Plano de Actividades da Coordenação.

É pois de recomendar aos representantes dos media, das comunidades e associações que observem com mais cuidado não só a evolução e crescente capacidade de actuação das novas Coordenações de Ensino Português nas duas costas, como procurem conhecer em primeira mão, através das próprias Coordenadoras, os seus projectos. Uma das suas importantes missões é o de informar melhor os destinatários da política de que tanto se fala, e pugnar pelo direito de estes a poderem melhorar através dos meios já existentes, ou a criar, para o efeito. O exercício deste direito cívico implica, no entanto, um posicionamento diametralmente oposto ao negativismo até aqui preponderante, pois exige um empenhamento pró-activo de todos os intervenientes na procura de soluções e alternativas, as quais, como em todos os processos humanos, só se conseguem laboriosa e persistentemente no dia-a-dia e geralmente longe das manchetes dos jornais.

A viragem da opinião pública sobre os problemas realmente importantes enfrentados pelo Ensino Português na Califórnia e outros estados é absolutamente necessária para permitir a abertura de novos caminhos e possibilidades. E estes caminhos não são só físicos e palpáveis, como a introdução de novos materiais, metodologias e tecnologias de ensino e aprendizagem, mas sobretudo mentais e conceptuais, implicando novos canais de relacionamento entre pesssoas e instituições e diferentes maneiras de fazer as coisas. Até há pouco tempo, a maioria das iniciativas de pessoas e instituições no âmbito do Ensino Português, por mais meritosas e bem sucedidas que tenham sido, sofreram de uma desvantagem básica - eram actividades não orgânicas, desconexas e sem um projecto de investimento comum. Ou seja, o Ensino Português na Califórnia carecia de uma visão concertada que permitisse aos vários intervenientes e interessados unirem os seus esforços para atingirem um fim comum. A missão da CEP.CA é contribuir decisivamente para a realização dessa visão, ou seja, nada mais nada menos do que a sobrevivência e perpetuação da língua e cultura de raiz portuguesa na Costa do Pacífico dos Estados Unidos.

O Plano de Actividades e princípios estratégicos da CEP.CA para o ano lectivo 2009/2010 serão apresentados em próximos artigos.

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