10/09/2008

Regresso às aulas


Quando eu andava na escola, e mais tarde no liceu, era o regresso às aulas, no início de Outubro, que marcava o verdadeiro começo do Outono. Naqueles dias dourados, o cair das folhas amarelecidas era o ritual que suavizava o fim das Férias Grandes, dos três longos meses de campo, mar e visitas à família na província. Era bom caminhar para a escola nas manhãs frescas, com a pasta às costas, os livros com cheiro a novo, lápis afiados, cadernos de linhas e quadradinhos.

Hoje recomeça-se mais cedo - é Verão ainda e parece um perfeito contrasenso. Que sinal anuncia hoje às crianças o primeiro dia de escola, qual a linha de água entre férias e aulas? Provavelmente são os anúncios das promoções de material escolar das grandes superfícies. Imagino o meu filho daqui a uns anos a dizer: "Lembras-te mãe da confusão que havia no corredor dos dossiers no Wal-Mart? Bons tempos".

Para os professores, percebi-o mais tarde, as coisas passam-se de modo diferente. Somos agora nós os adultos, o tempo tornou-se num grande contínuo e entre trabalho e férias às vezes nem se nota muito a diferença. Por isso, quando começa um novo ano lectivo, não dizemos "Ano Novo, Vida Nova". No geral pedem-nos somente que voltemos a reencenar as pautas e guiões dos anos transactos, com novos actores, ou nem tanto assim. Esse é um dos grandes desalentos que assaltam o professor na escola pós-industrial: a evidência de que os seus alunos nunca crescem e a sua obra nunca está terminada. Raros os que sentirão, com um misto de orgulho e humildade, que o discípulo suplantou o mestre. Então, o bom professor, que tem tanto de saber, como de talento e invenção, pode ver-se roubado da sua dimensão de artista.

Porém, há maneiras de fazer descarrilar um pouco essas rotinas, juntando-lhes umas curvas ousadas, uns trajectos menos usuais, uns voos mais audazes. Na gíria profissional chamamos a isso inovação. Falar de inovação dá pano para mangas, claro, mas o que me interessa aqui são algumas componentes de inovação que estão a ser introduzidas no Ensino Português (EP), primeiro na Califórnia, e seguidamente em outros estados ocidentais.

Uma das componentes é estrutural e organizativa e já a mencionei anteriormente. A Coordenação do EP sedeada na Califórnia (CEP.CA), desenvolve o seu trabalho no seio das comunidades que serve, ou suficientemente perto delas, tendo sempre em conta o gigantismo das distâncias no Oeste deste país. Assim, pode contactar directamente todos os intervenientes no processo educativo (escolas, professores, alunos e pais), para além de ser uma interlocutora informada nos seus contactos com a administração escolar, a nível local, estadual e regional.

Para além disso, a CEP.CA assume-se como um serviço de interesse público e não somente como um cargo oficial, o que implica a introdução sistemática de inovação em outras três grandes áreas.

1. Área Pedagógica

A CEP.CA oferece apoio especializado em ensino de línguas estrangeiras, directamente a professores e escolas, incluindo desenvolvimento curricular, planificação e criação de materiais de ensino, desenvolvimento profissional e facilitação de parcerias com outras escolas do mundo lusófono. Para este apoio ser mais eficaz, a CEP.CA desenvolve projectos de colaboração com as escolas de acordo com um plano estabelecido conjuntamente. Ou seja, as escolas que possuem ou venham a desenvolver um projecto de desenvolvimento pedagógico, poderão receber um apoio direccionado e contínuo. Para iniciar o processo de colaboração basta contactar a Coordenadora Ana Cristina Sousa, acsousa@csustan.edu, 209-202-0980.

2. Área Tecnológica

A CEP.CA oferece cursos e oficinas sobre a utilização da tecnologia no EP, acompanhamento de projectos de intercâmbio entre escolas com apoio da internet, facilitação de comunidades virtuais de professores, alunos e pais, extensão do trabalho curricular em casa através de portais e sítios web onde se publicam e partilham materiais e experiências. Todos os professores, individualmente, ou em grupo, podem beneficiar desta componente de inovação, bastando contactar a Coordenadora Ana Cristina Sousa, acsousa@csustan.edu, 209-202-0980.

3. Área Científica

A CEP.CA divulga e integra em todas as suas actividades, os resultados mais recentes da pesquisa científica em ensino de línguas, utilização da tecnologia no ensino e formação de professores. Para além disso, realiza pesquisa directa em todo o universo educativo relacionado com o EP através de questionários e inquéritos, divulgando os seus resultados e facilitando a sua aplicação no terreno. Procede igualmente à avaliação sistemática de todos os projectos em curso com as escolas, motivando os professores participantes a tornarem-se parceiros e exemplos de boas práticas segundo um modelo de investigação-acção. Para usufruir desta área de intervenção da CEP.CA basta contactar a Coordenadora Ana Cristina Sousa, acsousa@csustan.edu, 209-202-0980.

Mesmo que esta enumeração de áreas de intervenção da CEP.CA pareça um pouco abstracta, posso dizer que já estão alguns projectos em marcha ou em fase adiantada de conceptualização. Destaco como exemplos, o projecto Piloto de Enriquecimento de Português (K-5) em curso na escola Elim Elementary, em Hilmar, o projecto de intercâmbio internacional que irá envolver as escolas secundárias de Tulare, Turlock, Hilmar e San Jose, tão bem como os contactos preliminares de preparação para a criação da credencial estadual para professores de português. Nada disto é ou será possível sem a colaboração de todos os intervenientes e apoiantes do EP, dos mais próximos aos mais distantes.

Mas as minhas últimas palavras de hoje são especialmente dirigidas aos meus colegas professores que neste momento do ano reiniciam as suas actividades lectivas, nos vários níveis de ensino e tipos de escola. Falei em cima dos nossos dotes de artista tão frequentemente esquecidos em favor de um rigor normativo e estandardizado no ensino. Disse que nos pesa investir tanto num segmento de vida de um grupo de alunos, para perdê-los de vista ao fim de alguns meses, tornando-nos transitórios nas suas jornadas de aprendizagem.

A minha proposta para os professores de português na Califórnia, eu incluída, é que tomemos como exemplo a cultura dos construtores das catedrais, mas com uma grande diferença. Hoje deslumbramo-nos ainda com o resultado da arte e esforço de milhares de canteiros, pedreiros, escultores, vitralistas, arquitectos e outros mestres, dos quais raramente alguém sabe o nome. Sabemos, no entanto, que se juntaram em comunidades profissionais, que passaram o seu saber de geração em geração e de forma organizada, e que acreditavam ser elementos chave, mesmo que anónimos, para o sucesso da obra final.

O edifício do Ensino Português ainda vai no começo. Cada professor tem um lugar de destaque nesta construção, cada um é conhecido por seu nome, todos fazem parte da mesma cadeia de talento e invenção. O meu aluno de hoje, será o teu aluno de amanhã e poderemos continuar a velar, em conjunto, na nossa comunidade profissional, para que a parte da sua trajectória de vida que se faz em português, seja a mais bem sucedida possível. Precisamos de ter ideias em conjunto, projectos em grupo, acções em comunidade e resultados que pertençam a todos.


E precisamos, sempre, que mais jovens rapazes e raparigas se deixem cativar pela doce língua portuguesa ao ponto de a quererem também ensinar.




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