08/04/2008

Advogados em causa própria


No sistema judicial é raro permitir-se ao indivíduo ser advogado em causa própria, ou seja, é-lhe geralmente requerido que escolha um representante profissional que por si fale e aja segundo as regras instituídas. Torna-se óbvio que a complexidade da trama legal e organização política que rege as sociedades modernas tornam difícil ao cidadão comum dominar, ou mesmo compreender, esses meandros e subtilezas, necessitando, por isso, da intervenção de um mediador profissional. Não nos esquece, porém, a famosa frase de Shakespeare, na peça histórica Henrique VI (2ª parte): "The first thing we do, let's kill all the lawyers" ("A primeira coisa a fazer é matar todos os advogados").

Não querendo evidentemente chegar a esses excessos revolucionários, proponho hoje que passemos sem medianeiros e nos tornemos advogados mais activos das nossas próprias causas, pois até mesmo a palavra advogado (do latim "advocatu") não indica somente o licenciado em Direito ou o profissional que exerce funções de carácter técnico-jurídico. Advogado é também o patrono, o protector e o defensor. E é precisamente esse o sentido que também passou para a língua inglesa nos vocábulos "advocate" e "advocacy", os quais se ligam intimamente ao sentido de responsabilidade política de cada cidadão no seio da sociedade em que vive. Advogados, somos todos nós.

Que causas próprias podem então advogar, patrocinar e defender os cidadãos luso-americanos?

Podem responder-me, mas nós já defendemos causas – todas as nossas associações, fraternidades e fundações foram criadas para ajudar uma causa. E é verdade! As nossas comunidades revelam uma conduta altruísta admirável que representa um já longo exemplo de solidariedade e consciência de retribuição a favor do bem comum. No entanto, para quem olha de fora, este espírito filantrópico pode-lhe parecer mais ou menos difuso, pouco direccionado, necessitando de uma nova roupagem. Por exemplo, ao procurarmos na Internet a presença de tantas destas organizações, não falta geralmente uma página dedicada à sua “História”, mas nem sempre nos deparamos com uma clara exposição da sua Missão e da sua Visão de futuro – afinal aquilo que as torna únicas e necessárias na defesa das causas comuns. E tendo o mundo girado já várias vezes desde a fundação de muitas das associações referidas, não só as antigas questões precisam de se actualizar, como também as estratégias para chegar à sua solução.

Simplificando, penso que são 3 as grandes causas que todo e qualquer cidadão luso-americano pode directamente patrocinar e defender:

. Há a causa da Herança Cultural – a passagem aos mais novos do testemunho dos mais antigos, através da recolha e perpetuação dos relatos, dos registos e dos acervos museológicos; mas também o repensar dessa herança e a renovação da mesma.

. Há a causa da Cidadania – a participação activa de todos os luso-americanos no sistema de representação política dos EUA, de modo a poderem fazer ouvir a sua voz e resolverem os seus problemas específicos neste país, não esquecendo que podem igualmente continuar a ser cidadãos do seu país de origem.

. Há a causa da Língua Portuguesa – a manutenção, o desenvolvimento e a criação de novas ofertas de ensino português através de programas de língua e cultura nos vários tipos de ensino (público, privado e comunitário).

Estas grandes causas envolvem necessariamente uma reflexão alargada sobre algumas importantes questões, nomeadamente:

- Como é que se vai manter uma herança linguística e cultural de base portuguesa sem a fazer parar no tempo e no espaço, sobretudo depois de desaparecerem as gerações mais velhas?

- O que é que motiva, ou vai motivar, as gerações mais novas a continuar ligadas a uma herança cujo "habitat" inicial já se alterou, ou está a transformar-se rapidamente?

- Qual é a imagem étnico-cultural que a comunidade luso-americana deseja asssumir para si própria e projectar para o exterior?

- Será que é possível manter o tipo específico de "portuguesismo" luso-americano sem o conhecimento competente da língua portuguesa a par do da língua inglesa? O que é que os luso-americanos podem fazer para manter o "luso" no nome, sendo americanos por direito próprio?

- E se a competência linguística desaparecer, como é que a comunidade luso-americana se vai relacionar em pé de igualdade com o vasto mundo de falantes de português que vive para além das fronteiras dos seus enclaves regionais?

Por escolha e vocação profissional o meu apoio recai directamente na advocacia da terceira causa que identifiquei acima – a causa da Língua Portuguesa –, pois tenho a sorte de poder aliar o dever profissional à convicção pessoal. No entanto, nas minhas conversas com professores, educadores e outros cidadãos preocupados com este assunto, noto muitas vezes um tom de desânimo perante o estado crítico em que a situação se encontra actualmente. Mas também sei que têm a consciência de que é preciso agir agora, e a vontade de o fazer antes que seja tarde de mais.


Por onde começar, ou melhor, por onde começar para se poder continuar, e em breve ultrapassar o patamar de hoje? Quais as metas próximas a atingir? Mais uma vez aqui deixo 3 áreas cruciais que podemos e devemos apoiar e patrocinar:

1. Participação dos pais

A pressão e influência exercida por parte de pais e educadores junto dos administradores e conselhos escolares pedindo a criação, manutenção e desenvolvimento de aulas e programas de português para os seus filhos e educandos;

2. Aumento de inscrições em aulas/programas de português

A inscrição de um número estatisticamente relevante de alunos de modo a justificar a existência de ofertas de ensino português em todos os níveis de ensino;

3. Formação e reconhecimento de professores qualificados

Motivação de um maior número de jovens para abraçarem a profissão docente através da criação de programas estatais de acreditação profissional para professores de português (“credentials”); negociação da equivalência das qualificações profissionais de professores portugueses que pretendam exercer a sua actividade na Califórnia.


O Plano Anual de Actividades 2008 da Coordenação de Ensino Português (área consular de São Francisco da Califórnia) – CEP-CA – inclui projectos e actividades que pretendem contribuir para advogar e patrocinar a causa da Língua Portuguesa neste estado. Num próximo artigo apresentarei alguns desses projectos e irei sugerir outras estratégias de envolvimento nesta causa para pais e educadores no geral.

Sem comentários: